As relações humanas jamais foram marcadas pela concórdia. Ao contrário, sempre caracterizadas pelos conflitos, presentes mesmo nas relações familiares onde há uma tensão entre quem detém o poder moral e/ou econômico e os demais, ou na sociedade em geral em que a violência primitiva e as guerras deram lugar à política, que outra coisa não é do que um jogo, com regras mais ou menos definidas, em que se determinam como os homens digladiam-se entre si, lutam, procuram dominar uns aos outros, ou seja, exercem uns contra os outros relações de poder.
Na luta pelo poder político tem preponderância o discurso, a apresentação verbal das ideias propostas, que geralmente não guardam compromisso com a verdade, mas se constituem em peça importante no jogo estratégico de agregar simpatizantes e enfraquecer adversários.
Estes jogos de poder, nos Estados modernos, estavam confiados aos partidos políticos e movimentos sociais organizados, como, por exemplo, sindicatos, associações de classe. Sobrava o anarquismo às pessoas que buscavam um protagonismo fora das estruturas formais admitidas como participantes do jogo político, caracterizado, o anarquismo, em combate a todo o tipo de hierarquia e dominação, seja ela politica, social, econômica ou cultural, onde se inclui o Estado, o capitalismo, o comunismo, instituições religiosas, etc.
A globalização trouxe, dentre seus efeitos colaterais, o desenvolvimento tecnológico que derrubou fronteiras físicas, culturais, econômicas e ideológicas, proporcionado que as pessoas deixassem de estar atreladas às ideias dominantes de um determinado lugar para ter acesso ao que o filósofo canadense Herbert Marshall McLuhan chamou de Aldeia Global. A globalização trouxe a potencialização do individualismo, fazendo com que aqueles que não se sentem pertencentes a um determinado lugar e, por consequência, às regras deste lugar, sintam-se descomprometidos com o mundo que os rodeia, tornam-se peregrinos, guiados somente pelos seus interesses. A internet e, em especial, as redes sociais permitem que cada qual adote um comportamento similar aos anarquistas dos dois séculos que antecedem a este. Os países se dissolvem, os governos não representam o povo e as instituições mediadoras da política se perdem, pulverizadas pelas opiniões individuais. Governos, partidos, sindicatos e outros mediadores deixam de ser fontes de poder.
Nasce daí um paradoxo: quando cada um se dá o direito de pensar e agir como lhe dá na cabeça, sem liames de solidariedade ou projeto comum com outros, não se pode esperar que a sociedade seja regrada por leis de interesse comum.
Assim, os partidos se transformaram em instrumentos de apropriação do Estado para catapultar negócios e empregar apaniguados e, com isso, a política está ferida de morte. As demais instituições sofrem do mesmo mal.
Pode ser exagero, mas penso que o anarquismo parece estar vencendo, cada pessoa está de certa forma contra qualquer regramento coletivo, julga-se no direito de impor sua vontade, seja ela politica, social, econômica ou cultural, desacatando o Estado, as instituições religiosas etc. E, mais do que isso, desrespeitando quem age e pensa de forma diversa.
A história, por sorte, nos mostra que tudo ocorre em ciclos. Que este ciclo seja breve.